Comprei um Imóvel na Planta e a Obra Atrasou: Direitos, Deveres e o Papel do Corretor de Imóveis

Um casal com expressões de frustração em primeiro plano, e ao fundo um corretor de imóveis conversando com um engenheiro no canteiro de obra.
Imagem Gemini.ia

O sonho da casa própria, muitas vezes, começa com a aquisição de um imóvel na planta. A expectativa de um novo lar, personalizado e moderno, pode se transformar em um pesadelo quando a obra atrasa. Nesse cenário, é fundamental que o comprador conheça seus direitos, seus deveres e compreenda o papel do corretor de imóveis nesse processo.

O Papel Fundamental do Corretor de Imóveis na Compra na Planta

O corretor de imóveis desempenha um papel crucial na intermediação da compra de um imóvel na planta. Sua responsabilidade vai além de apenas apresentar o empreendimento; ele é um verdadeiro consultor de negócios, conforme destacado por especialistas do mercado. A clareza e a transparência na prestação de informações são essenciais para evitar surpresas desagradáveis no futuro.

Deveres do Corretor de Imóveis: Transparência e Pós-Venda

A principal obrigação do corretor, como preconiza o Código de Defesa do Consumidor (CDC), é a prestação de informações claras e precisas sobre o negócio. Isso inclui:

  • Prazo de entrega do empreendimento: O número de meses previsto para a conclusão da construção.

  • Detalhes do imóvel: Quantidade de unidades, número de quartos, suítes, metragem quadrada, andar, tipo de vaga de garagem (coberta/descoberta, gaveta/individual).

  • Cláusulas contratuais relevantes: Especialmente aquelas relacionadas à correção de parcelas e saldo devedor. É comum o saldo devedor ser corrigido pelo INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) durante a obra e, após a entrega, por índices como o IPCA ou INPC. A falta de clareza sobre essa correção pode gerar um aumento significativo do valor final, impactando o planejamento financeiro do comprador.

  • Condições de pagamento: Entrada, valor a ser financiado e o momento do financiamento.

Além disso, é de suma importância o acompanhamento pós-venda. Um bom corretor mantém contato com o cliente, acompanhando o andamento da obra e servindo como um elo entre comprador e construtora, auxiliando na busca por acordos em caso de problemas.

O que o Corretor Não Deve Fazer (e as Implicações Legais)

É importante ressaltar que o corretor não pode garantir o prazo de entrega da obra, pois essa é uma responsabilidade exclusiva da construtora. Caso prometa um prazo e ocorra atraso, ele pode ser responsabilizado por falsa informação. Também não deve interferir na execução da obra ou prestar assessoria jurídica, pois não é sua alçada.

O Contrato de Imóvel na Planta: Bifásico e Suas Peculiaridades

O contrato de aquisição de imóvel na planta é caracterizado por ser bifásico, ou seja, possui duas fases distintas:

  1. Fase de Construção: O imóvel está sendo edificado.
  2. Fase de Financiamento/Entrega das Chaves: Após a conclusão da obra e entrega, inicia-se o financiamento do saldo devedor ou a quitação do imóvel.

Existem duas modalidades principais de aquisição:

  • Financiamento Imediato: O comprador assina o contrato com a construtora e, ao mesmo tempo, já formaliza o financiamento com o banco. Durante a fase de construção, o comprador paga os chamados juros de obra (também conhecidos como taxas de obra ou taxa de evolução de obra). Esses juros remuneram o banco pelo capital repassado à construtora para a execução da obra e não amortizam o saldo devedor do financiamento principal, o que pode causar surpresa ao comprador que vê o valor dos juros de obra aumentar progressivamente conforme a obra avança.

  • Financiamento Posterior: O comprador assina o contrato apenas com a construtora e o financiamento bancário é realizado somente na entrega das chaves.

A Correção do Saldo Devedor: Um Ponto de Atenção

É praxe nos contratos de imóveis na planta que o saldo devedor seja corrigido até a entrega das chaves. Como mencionado, essa correção ocorre pelo INCC durante a construção e, após a entrega, por outros índices. A validade dessa correção é pacificada pela justiça, conforme entendimento consolidado. No entanto, a falta de comunicação clara por parte do corretor sobre essa correção é uma das principais causas de insatisfação dos compradores.

Obra Atrasada: Direitos do Comprador e a Lei do Distrato

Quando a obra atrasa, o comprador se vê em uma situação delicada. A Lei nº 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato, trouxe novas regras para o mercado, buscando um equilíbrio entre os direitos das partes.

Prazo de Carência e Cenários de Atraso

Todo contrato de compra e venda na planta possui um prazo de entrega. A Lei do Distrato concede à construtora um prazo de carência de até 180 dias após o prazo original previsto em contrato para a entrega do imóvel, sem que haja qualquer penalidade.

Uma vez superado esse prazo contratual mais os 180 dias de carência, o comprador tem diversas alternativas:

Cenário 1: Rescisão Contratual por Culpa da Construtora

Se o atraso ultrapassar o período de carência, o comprador pode solicitar a rescisão total do contrato. Nesse caso, a devolução dos valores pagos deve ser de 100%, incluindo a comissão de corretagem (que será ressarcida pela construtora, e não pelo corretor), com correção monetária e juros.

Além da devolução integral, o comprador pode pleitear:

  • Multa Contratual: É possível a inversão da multa prevista no contrato para o caso de inadimplência do comprador, penalizando a construtora pelo atraso.
  • Indenização por Danos Morais: Embora não seja uma regra absoluta, casos de atraso prolongado que gerem transtornos significativos (como a necessidade de alugar outro imóvel, perda de eventos importantes ou comprometimento de planejamentos de vida) podem dar ensejo a indenização por danos morais. A análise é feita caso a caso pelo judiciário.

Cenário 2: Manutenção do Contrato com Indenização

Caso o comprador opte por aguardar a entrega do imóvel, mesmo com o atraso, ele também possui direitos:
  • Multa Contratual: A construtora ainda estará inadimplente e, portanto, sujeita à multa contratual.

  • Indenização por Lucros Cessantes: A Lei do Distrato prevê uma indenização de 1% sobre o valor já pago pelo comprador por mês de atraso até a data da efetiva entrega das chaves. Esse valor funciona como uma espécie de "aluguel" que o comprador deixou de receber ou de economizar.

  • Danos Morais: Assim como na rescisão, se comprovado o abalo moral, pode-se pleitear indenização.

  • Congelamento do Saldo Devedor: O comprador não deve ser prejudicado pela correção do saldo devedor pelo INCC durante o período de atraso que extrapola a carência. O saldo deve ser "congelado" a partir da data prometida para a entrega.

Distrato de Imóvel na Planta Quando a Obra Está no Prazo

Uma situação diferente ocorre quando o comprador deseja rescindir o contrato enquanto a obra ainda está no prazo de entrega. Nesses casos, a iniciativa da rescisão é do comprador, e não por culpa da construtora.
  • Imóvel não financiado com banco: Se o comprador fez o contrato apenas com a construtora e ainda não financiou com um banco, ele pode solicitar o distrato. Contudo, não haverá devolução integral dos valores. A Lei do Distrato permite que a construtora retenha até 25% dos valores pagos, além da comissão de corretagem e eventuais taxas (IPTU, condomínio, se houver previsão contratual e estiverem dentro das normas).

  • Imóvel financiado com banco (Alienação Fiduciária): Se o imóvel já foi financiado com um banco, geralmente sob o regime de alienação fiduciária, a situação se torna mais complexa. O entendimento majoritário da justiça é que, nesse cenário, o imóvel serve como garantia da operação bancária, tornando o distrato inviável enquanto o contrato bancário estiver ativo e a construtora não tiver culpa no atraso. Entretanto, tem surgido entendimentos recentes em alguns tribunais que admitem o distrato judicialmente, alegando que, como o imóvel ainda não está pronto, a garantia não estaria "perfeita e acabada". É uma questão com alto risco para o comprador, e a maioria dos casos ainda resulta em derrota para quem busca o distrato nessa situação.

A Comissão do Corretor em Casos de Distrato

A comissão de corretagem é devida ao corretor no momento da concretização do negócio, ou seja, na assinatura do contrato de compra e venda.
  • Distrato por culpa da construtora (atraso): Nesses casos, a devolução dos 100% dos valores pagos pelo comprador inclui a comissão do corretor, mas o ressarcimento é de responsabilidade da construtora, e não do corretor.

  • Distrato por iniciativa do comprador (obra no prazo): A comissão de corretagem, via de regra, não é devolvida ao comprador, pois o trabalho de intermediação foi realizado. Alguns contratos preveem que a comissão seja retida pela construtora em caso de distrato. Apenas em raras exceções, onde se comprove falha grave na prestação de serviços do corretor, ele poderia ser responsabilizado.

Outras Questões Importantes em Caso de Atraso

Além dos pontos já abordados, é crucial estar atento a outras cobranças indevidas em caso de atraso na entrega:
  • Juros de Obra (Juros de Evolução de Obra): Se a obra estiver atrasada além do prazo de carência, a cobrança de juros de obra passa a ser responsabilidade da construtora, e não do comprador. O comprador pode solicitar à construtora que arque com esses valores ou buscar judicialmente a suspensão da cobrança e a devolução do que foi pago indevidamente.

  • IPTU e Taxa de Condomínio: A justiça tem entendimento pacificado de que o IPTU e a taxa de condomínio só são devidos pelo comprador a partir da efetiva posse do imóvel, ou seja, após a entrega das chaves. Qualquer cobrança antes disso é indevida, e o comprador pode buscar a devolução.

Conclusão

Comprar um imóvel na planta é um investimento significativo e um passo importante na vida. Conhecer os direitos e deveres em caso de atraso na obra é fundamental para proteger-se. É sempre recomendável buscar o auxílio de um advogado especializado em direito imobiliário para analisar o contrato, orientar sobre as melhores ações a serem tomadas e defender os interesses do comprador. A transparência do corretor de imóveis no momento da venda é a primeira linha de defesa contra futuras dores de cabeça.







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